Ana Isabel Fazendeiro, Graciete Costa, Natália Couceiro, Paula Rodrigues, Rosário Cunha, Fernando Rodrigues

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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Anticorpos anti - citoplasma do neutrófilo

Vasculites - grupo heterogéneo de doenças que, variando quanto à etiologia, características patológicas, quadro clínico, prevalência e prognóstico, partilham a existência de uma inflamação da parede dos vasos.

As vasculites autoimunes caracterizam-se pela ocorrência de anticorpos anti - citoplasma do neutrófilo na maioria dos doentes. Estes autoanticorpos ligam-se a enzimas localizados nos grânulos citoplasmáticos do neutrófilo (proteinase 3, mieloperoxidase, elastase e catepsina G).

O neutrófilo apresenta um núcleo com pequenos lobos (2 - 5), unidos por pontes finas de material nuclear. No citoplasma do neutrófilo, existem grânulos pequenos, com baixa afinidade para os corantes (neutrófilos), que se subdividem em grânulos primários (azurófilos), secundários (específicos) e terciários.



Neutrófilo - microscopia electrónica (adaptado de medcell.med.yale.edu)

A proteinase 3 é uma glicoproteína localizada nos grânulos azurófilos, fracamente catiónica, com actividade enzimática sobre diversos substratos.

A mieloperoxidase é uma proteína fortemente catiónica, localizada também nos grânulos azurófilos.

A BPI (bactericidal permeability increasing protein) é uma proteína catiónica com actividade antimicrobiana, também assosciada aos grânulos azurófilos.

A lactoferrina é uma proteína de ligação do ferro, localizada nos grânulos específicos.

A catepsina G e a elastase são serina - proteases, também localizadas nos grânulos azurófilos.

Os anticorpos anti - proteinase 3 (PR3) ocorrem na granulomatose com poliangeíte (previamente designada de granulomatose de Wegener), enquanto os anticorpos anti - mieloperoxidase (MPO) ocorrem predominantemente na poliangeíte microscópica.


A pesquisa de anticorpos de anti - citoplasma do neutrófilo efectua-se por imunofluorescência indirecta (IFI), utilizando como substrato neutrófilos humanos fixados pelo etanol. Esta fixação causa a rotura dos grânulos azurófilos, com libertação do seu conteúdo para o citoplasma.
Como a mieloperoxidade   é fortemente catiónica, vai ligar-se à membrana nuclear (carga negativa), originando o aspecto périnuclear (pANCA) que se observa na IFI, quando existem anticorpos anti - mieloperoxidase.
A proteinase 3, fracamente catiónica, mantém uma localização citoplasmática (aspecto cANCA na IFI).
Outro padrão de fluorescência que se pode observar na IFI é o padrão xANCA, mais fino que o pANCA e frequentemente granular. Estes autoanticorpos ocorrem na colite ulcerosa (30-80% dos pacientes) e na doença de Crohn (2-40%). Embora a sua pesquisa não seja decisiva para o diagnóstico diferencial ou para a decisão clínica, podem ser úteis nos pacientes em que os dados clínicos não permitem o diagnóstico diferencial entre a colite ulcerosa e a doença de Crohn. 

Localização dos enzimas num neutrófilo fixado por etanol (adaptado de ckcsphysiology.wikispaces.com)

Se, em vez do etanol, utilizarmos o formol como fixador, não ocorre a desgranulação dos neutrófilos, pelo que as enzimas se mantêm no citoplasma. Deste modo, utilizando como substrato neutrófilos humanos e variando o fixador (etanol / formol) podemos pesquisar a presença de anticorpos pANCA ou cANCA, por imunofluorescência indirecta.

 
Padrão
Auto-anticorpo
Método de fixação
Etanol
Formol
Metanol
cANCA
anti – PR3
c - ANCA
c - ANCA
c - ANCA
pANCA
anti - MPO
p - ANCA
c - ANCA
-
xANCA

x - ANCA
-
x - ANCA




    Anticorpos anti - citoplasma do neutrófilo (x630) - pANCA

    Anticorpos anti - citoplasma do neutrófilo (x630) - cANCA


    Anticorpos anti - citoplasma do neutrófilo (x630) - xANCA

    Anticorpos anti - citoplasma do neutrófilo (x630) - xANCA

    Anticorpos anti - citoplasma do neutrófilo (x630) - xANCA (aspecto mais granular)

terça-feira, 11 de junho de 2013

Anticorpos anti - Centríolo


O centrossoma é uma região celular localizada perto do invólucro nuclear, que desempenha um papel relevante na organização do citoesqueleto durante a interfase e dos pólos do fuso mitótico durante a divisão celular, após replicação do centrossoma. É composto por um material amorfo e electrodenso, identificando-se, na sua parte central, um par de estruturas cilíndricas com disposição perpendicular, designadas por centríolos.

Estrututalmente, o centríolo é constituído por um conjunto de nove subunidades de três microtúbulos combinados, permanecendo cada grupo ligado longitudinalmente ao adjacente. Estes nove grupos formam a "parede" da estrutura, como hélices de uma turbina.

Quando presentes, os anticorpos anti - centríolo podem identificar-se por imunofluorescência indirecta (IFI), utilizando como substrato células Hep2. O padrão de fluorescência é característico, com observação de uma ou duas estruturas punctiformes fluorescentes, adjacentes à membrana nuclear (células em interfase) e de uma estrutura punctiforme fluorescente em cada pólo do fuso mitótico (célula em metafase).
Estes autoanticorpos são pouco frequentes e de identificação casual, representando aproximadamente 0,1% do total de autoanticorpos identificados na rotina laboratorial.
Ligam-se a proteínas do centrossoma, incluindo a enolase.
Aparecem associados com:
   - fenómeno de Raynaud secundário;
   - doenças do espectro da esclerodermia, incluindo doentes com fenómeno de Raynaud e telangiectasias, esclerodermia limitada e esclerodermia difusa. Os anticorpos anti - centrossoma e anti - centríolo ocorrem em aproximadamente 0,4 a 5% dos doentes, e podem anteceder o diagnóstico clínico de esclerodermia em vários anos;
   - conectivite indiferenciada;
   - casos de hipertiroidismo que desenvolvem posteriormente fenómeno de Raynaud e telangiectasias;
   - doenças infecciosas (viroses)

    Hep2 (x400) - Anticorpos anti - centríolo. Estrutura punctiforme fluorescente em cada um dos pólos do fuso (célula em metafase) e uma ou duas estruturas punctiformes fluorescentes no citoplasma (células em interfase)


    Hep2 (x400) - Anticorpos anti - centríolo

    Hep2 (x630) - Anticorpos anti - centríolo


    Hep2 (x630) - Anticorpos anti - centríolo



    Hep2 (x630) - Anticorpos anti - centríolo

    Hep2 (x630) - Anticorpos anti - centríolo

    Hep2 (x630) - Anticorpos anti - centríolo

    Hep2 (x1000) - Anticorpos anti - centríolo

    Hep2 (x1000) - Anticorpos anti - centríolo

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Anticorpos anti - endomísio

A doença celíaca é uma das doenças crónicas mais comuns, com uma prevalência de 1% na população geral, que poderá ser superior nalguns países desenvolvidos.
Caracteriza-se clinicamente por malabsorção intestinal após a ingestão de glúten e, histologicamente, por atrofia das vilosidades da mucosa do intestino delgado. Estas alterações da mucosa revertem favoravelmente quando se elimina o glúten da dieta.

A ingestão de glúten (fracção proteica do trigo, cevada e centeio) é o principal factor ambiental desencadeante da doença. A concentração elevada de glutamina e prolina no glúten implica uma digestão parcial destes constituintes, sendo os resíduos parcialmente digeridos que, nos indivíduos geneticamente susceptíveis, desencadeiam os processos imunológicos relacionados com a doença.
Existe uma forte associação entre a presença dos haplótipos HLA-DQ2 e HLA-DQ8 e a doença celíaca (97% dos casos). No entanto, é muito importante realçar que cerca de 30-40% da população geral apresenta o haplótipo HLA-DQ2, pelo que a presença destes genes HLA, embora necessária, não é suficiente para o desenvolvimento da doença. Também estão envolvidos genes não - HLA.
Actualmente, decorrem diversos estudos em que se pretende avaliar a importância dos microrganismos intestinais na patogénese da doença.

O processo imunológico na doença celíaca caracteriza-se por uma resposta T-helper glúten - específica, com produção de interferão gama.
A transglutaminase tecidular é fundamental no desencadear deste processo, ao converter a glutamina da gliadina em ácido glutâmico. O consequente aumento da carga negativa vai implicar uma ligação mais forte à molécula HLA-DQ2, na superfície das células de apresentação de antigénios, com resposta celular (linfócitos B e T - glúten específicos), e produção de anticorpos anti - transglutaminase tecidular (muito importantes para o diagnóstico da doença).

As manifestações clínicas, intestinais e extra - intestinais, são muito variáveis. Nos adultos, a doença celíaca é assintomática ou com sintomatologia mínima, levando a um subdiagnóstico. A maioria dos casos de doença celíaca surge durante a infância, com um quadro clínico clássico de diarreia com esteatorreia, vómitos e dor abdominal, após a introdução dos cereais na dieta.
Podem ocorrer situações em que os indivíduos, embora assintomáticos, apresentam serologia e alterações histológicas na biópsia intestinal características da doença. Outros pacientes poderão apresentar sintomatologia e serologia de doença celíaca, sem alterações histológicas do intestino.

Recentemente, a Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica propôs que a doença celíaca fosse definida como uma "doença sistémica autoimune, desencadeada pelo glúten e prolaminas relacionadas, num indivíduo geneticamente susceptível, e caracterizada por diversas associações de manifestações glúten - dependentes, anticorpos específicos da doença, haplótipos HLA-DQ2 ou HLA-DQ8, e enteropatia".

A serologia da doença celíaca (anticorpos anti - endomísio, anti - transglutaminase e anti - gliadinas deaminadas) é importante no diagnóstico e na monitorização desta patologia. Os anticorpos presentes são, geralmente, da classe IgA, embora também possam ser da classe IgG (particularmente nos indivíduos com déficit de IgA).
Os anticorpos anti - transglutaminase e os anticorpos anti - gliadina deaminada são os marcadores serológicos mais sensíveis e específicos da doença.

 A pesquisa dos anticorpos anti - endomísio é efectuada por imunofluorescência indirecta, utilizando cortes de esófago de primata. Os anticorpos ligam-se ao tecido conjuntivo que rodeia o músculo liso, originando um padrão característico, com fluorescência do músculo liso vascular, da muscularis mucosae e da camada muscular. 
A sua sensibilidade e especificidade são de, aproximadamente 90% e 100%.
O título de anticorpos anti - endomísio, nos doentes submetidos a dieta sem glúten, diminui ao longo do tempo, pelo que uma serologia negativa não deve excluir a doença celíaca.


    Esófago (x100). Estrutura da parede esofágica.

    Anticorpos anti - endomísio (x100). Fluorescência característica na muscular da mucosa e na muscular.

    Anticorpos anti - endomísio (x100)

    Anticorpos anti - endomísio (x100). Camada muscular (1 - circular interna; 2 - longitudinal externa)

    Anticorpos anti - endomísio (x400). Muscular da mucosa. Observa-se a fluorescência do endomísio,
    envolvendo cada fibra muscular. Ausência de fluorescência nas fibras.

    Anticorpos anti - endomísio (x400). Fluorescência do endomísio na camada muscular.